Tribarets
A música dessa coreografia me chama a atenção por ser uma música “para cima”, que evoca uma positividade, contudo, sem cair no clichê de precisar remeter muito diretamente a uma sonoridade de folclore. Normalmente quando via grupos dançando músicas animadas, eram músicas de forte inspiração étnica, em especial do tipo utilizada por grupos de ATS. Não acho que esse tipo de concepção seja “errada” ou “feia”, eu gosto, mas só que o diferente chama a atenção, eu gosto daquilo que parece introduzir algo novo, ou modificar alguma estrutura bem estabelecida.Outro fator foi a temática. No meu entender, as tribarets estão entre o cabaré e o grupo de mulheres. Elas não são sérias o suficiente para o grupo de mulheres, ritualístico ou tradicional, do tipo que parece se reunir em volta da fogueira para celebrar qualquer coisa no final do dia. Ao mesmo tempo, a sensualidade, na coreografia, é do tipo menos explícita do que nas montagens de cabaré, com menos referências à lingeries, saltos altos, cinta-liga e outros elementos da esfera do fetiche. As tribarets têm uma ingenuidade que as dançarinas de cabaré não têm. Acho que esse é o principal motivo de eu gostar dessa coreografia.O que eu enxergo quando vejo as bailarinas é um grupo de mulheres bastante diversificado, que se divertem entre si, e essa é a característica mais importante. Embora elas estejam como que mostrando seus atributos ao público e competindo por atenção, há um clima de camaradagem e diversão envolvido, não de rivalidade. A sensualidade das bailarinas-personagens é uma sensualidade muito mais para elas do que para os outros. Eu poderia imaginar que todas são irmãs. É uma sensualidade divertida, lúdica, muito mais do corpo que “é” e que simplesmente “está lá” do que do corpo que se monta, se prepara e se pensa para parecer sensual.Todo esse clima aparece nas figuras de palco, que são dinâmicas e muito interativas. É interessante perceber como as figuras de palco contribuem para criar e refletir o espírito da coreografia. Na Felídeos, por exemplo, as figuras são bem menos interativas, embora não menos interessantes, o que me parece bastante coerente se pensamos em gatos, especialmente em gatos de Tim Burton. Eu gosto muito de pensar em figuras de palco, porque não tive nenhuma experiência de coreografar para um grupo. Depois de estudar um pouquinho sobre as impressões que esses posicionamentos podem causar no público, percebi que muitas vezes os posicionamentos são pensados em termos práticos e como artifício para mostrar todas as bailarinas e não entediar a plateia. Gosto de ver coreografias onde esse elemento parece ter sido melhor explorado, em conjunto com a concepção do trabalho, que me parece ser o caso da Tribarets.O figurino também acabou se tornando muito interessante, com cada uma trazendo seus elementos. Além de ressaltar a diversidade de cada personagem criado pelas bailarinas, remeteu ao clima de bricolagem que é bastante tribal. Os visuais, embora ainda remetam ao estilo, acabam por fazê-lo de forma menos séria, que não parece ter sido pensada. Tudo isso reflete em um clima de espontaneidade na coreografia, como se as bailarinas estivessem apenas sendo elas mesmas. Mais uma vez, acho que esse clima de bricolagem descontraída foge do padrão de um figurino de grupo que, mesmo quando é “livre”, é pensado para formar o conjunto de uma determinada maneira. Minha história pessoal dessa coreografia é que se me dissessem que elas moram no deserto de Mad Max, eu acreditaria. Por quê? Não faço a menor ideia. Mas acho muito bacana quando uma coreografia me remete a alguma referência interna.Eu não acho que as movimentações, em termos de passos, sejam o ponto alto dessa coreografia, o que não é nem uma crítica, nem algo negativo. Acredito que nem todo trabalho artístico precisa ter a técnica como destaque, movimentações simples e bem executadas são ótimas de se ver. Especialmente se existem outros fatores sendo ressaltados na coreografia. Nesse caso, acho que as movimentações funcionaram muito bem na Tribarets, elas combinam com a música, combinam com o clima, e os corpos das bailarinas parecem bastante confortáveis com elas. Isso é fundamental para que os outros pontos que me chamam a atenção na coreografia pudessem se destacar e ser um diferencial. Acredito que há espaço para tudo na arte da dança e da performance, e nem sempre é uma questão de técnicas muito elaboradas ou movimentações inovadoras, por vezes o que está jogo numa proposta é um contexto, uma teatralidade, uma autenticidade em dar vida a movimentos simples que contem algo sobre o que estamos vendo.
Patricia Nardelli